Recentemente, tomou conta da mídia dois casos sobre furto famélico. O primeiro caso, uma mulher e mãe de 5 filhos foi presa em flagrante porque furtou em um supermercado duas garrafas de refrigerante, dois pacotes de macarrão instantâneo e um pacote de suco em pó. O segundo caso, dois homens que furtaram alimentos vencidos, que iriam para o lixo, no pátio de um supermercado também foram presos em flagrante.
Lamentavelmente casos como esses de prisões arbitrárias, autoritárias e sem observância dos limites do dever de punir do Estado são corriqueiras no sistema de justiça criminal brasileiro.
Esses casos são conhecidos como “furto famélico”. Não está previsto no código penal. O que está previsto é o crime de furto, art. 155. Furto famélico é um conceito doutrinário.
O furto famélico se dá quando alguém furta comida para saciar necessidade atual, grave. É considerado furto famélico, não só as necessidades básicas de alimentação, mas, também, medicamentos ou qualquer outro item que seja imprescindível para sua sobrevivência ou de outra pessoa. Diferente do roubo, não deve haver uso de ameaça, violência ou arma.
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, em suas decisões envolvendo furto famélico, tendem a aplicar o princípio da insignificância, que exclui a tipicidade do crime, dependendo do caso concreto. Este princípio dispõe que o Direito Penal apenas irá se pronunciar sobre a proteção dos bens mais relevantes para ordenamento jurídico, incriminando apenas condutas que são consideravelmente ofensivas ou capazes de ferir um bem jurídico tutelado.
Doutrina e jurisprudência, observado as particularidades de cada caso concreto, tendem a justificar a não incriminação do furto famélico através da aplicação do estado de necessidade, excluindo assim a ilicitude da conduta do agente e, portanto, não existe crime porque a pessoa agiu amparada pela excludente de ilicitude de estado de necessidade. Não se trata de uma causa de diminuição de pena, e sim da exclusão de crime propriamente dito.
No Brasil, uma pesquisa da Penssan (Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar) feita em dezembro de 2020 mostrou que nos últimos meses do ano 19 milhões de brasileiros passaram fome e mais da metade dos domicílios no país enfrentou algum grau de insegurança alimentar.Por outro lado, o direito à alimentação é expresso na constituição.
A sondagem inédita estima que 55,2% dos lares brasileiros, ou o correspondente a 116,8 milhões de pessoas, conviveram com algum grau de insegurança alimentar no final de 2020 e 9% deles vivenciaram insegurança alimentar grave, isto é, passaram fome, nos três meses anteriores ao período de coleta, feita em dezembro de 2020, em 2.180 domicílios. De acordo com os pesquisadores, o número encontrado de 19 milhões de brasileiros que passaram fome na pandemia do novo coronavírus é o dobro do que foi registrado em 2009, com o retorno ao nível observado em 2004.