Inicialmente, já destaco que o presente artigo não está dizendo que pedofilia não é uma conduta reprovável e que nos traz ojeriza.
Indubitavelmente é conduta hedionda e merecedora do maior rigor punitivo possível. O que se pretende demonstrar é que para fins de Direito Penal, a expressão “crime de pedofilia” configura um contrassenso aos fundamentos dogmáticos do Direito Penal.
Pedofilia é uma patologia e não um crime.
De acordo com o Dicionário Aurélio, pedofilia, é a “parafilia representada por desejo forte e repetido por práticas sexuais e de fantasias sexuais com crianças pré-púberes[1]; perversão sexual que visa à criança.”
Parafilia, são comportamento ou tendências sexuais que são consideradas desviantes do senso comum, fugindo do conceito ideal de coito entre adultos vivos e que chegam a causar prejuízo em outras áreas importantes na vida de um indivíduo. São alguns exemplos de condutas da mesma linha a necrofilia[2], a coprofilia[3], zoofilia.
O transtorno de pedofilia é caracterizado por fantasias, desejos ou comportamentos sexualmente excitantes, recorrentes e intensos envolvendo crianças (habitualmente de 13 anos ou menos). O pedófilo pode sentir-se atraído por meninos jovens, meninas jovens ou ambos, e ele pode sentir-se atraído apenas por crianças ou tanto por crianças como adultos. O médico diagnostica a pessoa com pedofilia quando ela se sente extremamente angustiada ou há prejuízo na sua capacidade de funcionamento devido ao fato de ela sentir-se atraída por crianças ou quando pôs em prática seus desejos. O tratamento inclui psicoterapia de longo prazo e medicamentos que alteram o desejo sexual e reduzem os níveis de testosterona.
Para avaliar se o interesse sexual ou o envolvimento entre duas pessoas é considerado um transtorno de pedofilia é necessário levar em conta a idade das pessoas envolvidas. Em sociedades ocidentais, para que a pessoa seja diagnosticada com transtorno de pedofilia, ela precisa ter, no mínimo, 16 anos de idade e, no mínimo, cinco anos a mais que a criança que é o objeto de fantasias ou atividade sexual. No entanto, o envolvimento sexual de um adolescente mais velho (de 17 a 18 anos de idade) com uma adolescente de 12 ou 13 anos de idade pode não ser considerado um transtorno. Os critérios etários utilizados para identificar quando essa atividade é considerada um crime podem ser diferentes.
A pedofilia é muito mais frequente entre homens do que entre mulheres.
Vale ressaltar que muitos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes não são cometidos por pessoas clinicamente pedófilas. Um dos exemplos é a pornografia infantil. A tecnologia abre espaço para crimes sexuais contra crianças e adolescentes e não apenas para pedófilos, apesar de ser comum que pessoas com este diagnóstico façam uso intenso de pornografia infantil para satisfação de seu desejo sexual.
Muitos adultos não pedófilos consomem pornografia infantil, compartilham vídeos de crianças e jovens neste contexto.
O fato por si só de ser pedófilo não gera tipicidade penal, já que não existe qualquer tipo de previsão legal. Nem todo pedófilo é criminoso. A legislação brasileira não possui nenhum dispositivo que traga como típica a conduta de desejo forte e repetido, nem de fantasias sexuais com crianças, considerados atos internos não puníveis. A tipificação penal ocorre quando um portador da citada patologia exterioriza o seu desejo vindo a consumar os crimes de abuso sexual, a exemplo do crime de estupro de vulnerável ou até mesmo o crime de propagação de cenas de sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes.
A título de exemplo, o mesmo ocorre com a cleptomania, que, de igual forma, trata-se de uma psicopatologia em que o indivíduo possui uma grande compulsão em furtar objetos alheios independente do seu valor, o fato de o indivíduo ser cleptomaníaco por si só não é crime. No entanto, diferentemente ocorre quando o indivíduo exterioriza a sua compulsão consumando efetivamente o núcleo do tipo previsto no art. 155 do Código Penal Brasileiro: subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel.
Um portador de pedofilia quando diagnosticado e bem tratado e acompanhado por um profissional da área, começará a ter consciência do seu distúrbio e aprenderá a controlar os seus impulsos e assim terá uma vida normal.
Obviamente, cada caso precisar ser devidamente analisado com objetivo de constatar se o agente é portador da doença ou não. Não sendo, deverá responder criminalmente pelo crime eventualmente praticado. Frise-se, ainda, que os efetivos portadores de pedofilia (assim como os cleptomaníacos), se devidamente diagnosticados como tal, não estarão sujeitos a pena, devendo ser submetidos à medida de segurança.
Entretanto, para se chegar a essa conclusão, o Estado precisa fornecer melhores condições, a exemplo de profissionais qualificados na área de saúde para poder analisar os casos de violência sexual que chegam aos tribunais.
Mesmo porque, colocando um pedófilo no sistema carcerário brasileiro, só irá agravar a sua situação. E esse mesmo condenado certamente voltará a cometer o mesmo fato quando sair, se não for submetido a um tratamento sério e especializado.
Portanto, podemos concluir que pedofilia é uma patologia e não um crime porque não existe qualquer tipo de previsão legal. Agora, quando o portador desta patologia exterioriza o seu desejo, ou seja, prática uma conduta tipificada como crime, por exemplo, estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal) ou o crime de propagação de cenas de sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes (Art. 241 do ECA) a tipificação não é “crime de pedofilia”, mas sim a conduta praticada: crime de estupro de vulnerável ou crime de propagação de cenas de sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes.
ATENÇÃO!
Para denunciar qualquer tipo de abuso sexual infantil ligue para o disque 100 (Disque Direitos Humanos), serviço gratuito e 24h, ou compareça à uma delegacia ou ligue para o conselho tutelar da sua cidade.
Para denunciar a pornografia infantil você pode acessar ao site do disque 100 para a realização da denúncia: www.disque100.gov.br
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Fonte:
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei nº 8.069/90
SOARES, Marcelo Rogério Medeiros. Pedofilia não é crime. Canal Ciências Criminais, 2020. Disponível em: <https://canalcienciascriminais.com.br/pedofilia-nao-e-crime/>. Acesso em: 15/02/21.
SYDOW, Spencer Toth. Curso de Direito Penal Informático. 2ª ed. Salvador: JusPodivm, 2021.
Site Manual MSD <https://www.msdmanuals.com/pt/casa/dist%C3%BArbios-de-sa%C3%BAde-mental/sexualidade-e-transtornos-sexuais/pedofilia>
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral v. 1 – 25ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
Estatuto da Criança e do Adolescente – 5ª ed. / Obra organizada pelo Instituto IOB – São Paulo: Editora IOB, 2013.
[1] Período que compreende o terceiro ano até o início da puberdade.
[2] Se caracteriza pela excitação sexual decorrente de observação ou prática de um ato sexual com um cadáver.
[3] É excitação sexual devido ao contato com as fezes do parceiro.