A Produção Antecipada de Provas da Investigação dos Crimes Digitais

A Produção Antecipada de Provas da Investigação dos Crimes Digitais

Estamos vivendo uma era em que o mundo está cada vez mais conectado. A internet aliada à tecnologia dos computadores, smartphones, tablets, notebooks e afins nos proporcionou uma amplitude de possibilidades de nos conectarmos uns com os outros, fazer transações bancárias, compras, cursos, jogar e ter à nossa disposição diversas plataformas e apps que nos auxiliam no nosso dia a dia. Com certeza temos algum desses aplicativos instalados em nossos aparelhos eletrônicos. Desde aplicativos para contabilizar quantos litros de água você bebeu durante o dia, passando por uma agenda sincronizada ao seu e-mail, até um aplicativo para realizar reuniões online. São uma infinidade.

Falando em nos conectarmos uns com os outros, todos nós, ou pelo menos a maioria, somos assíduos usuários das redes sociais. Postamos fotos no Instagram, publicações no Facebook, participamos de grupos do Whatsapp e fazemos muitos stories.

Quando se trata do meio virtual não podemos somente retratar os benefícios, devemos também colocar em pauta as adversidades presentes nesse meio, como os crimes digitais.

Há quem diga que “a internet é terra de ninguém”. O uso dessa expressão traz uma falsa sensação de anonimato e, consequentemente, de impunidade, o que faz com que centenas de pessoas publiquem conteúdos ofensivos de todo tipo para milhares de pessoas. E não para por aí. Os crimes digitais ainda envolvem roubos de senhas, invasão de redes sociais, estelionato – incluindo aqui o estelionato amoroso, ransomware (sequestro de dados), ataques através de phishing[1] (quando o usuário é convidado a clicar em um link que ele julga ser real), entre outros.

Importante esclarecer que delitos cometidos na internet já eram previstos como crimes no ordenamento jurídico brasileiro desde muito antes de toda essa evolução tecnológica acontecer. A prática desses crimes no âmbito digital é uma condição suplementar.

Apenas para conhecimento, o Brasil é hoje o quarto país do mundo com o maior número de ameaças virtuais. Pesquisas sempre revelaram que o Brasil está na rota dos crimes cibernéticos. De acordo com a Polícia Federal, em notícia do ano de 2004, de cada dez hackers ativos no mundo, oito viviam no Brasil. Em 2018, segundo informações do laboratório especializado em cibersegurança da PSafe[2], foram detectados 120,7 milhões de ataques cibernéticos no primeiro semestre de 2018. Este número representa um crescimento de 95,9%. O principal aumento se deu nas queixas de crimes contra mulheres. A SaferNet Brasil[3], em parceria com o Ministério Público Federal (MPF), contabilizou 133.732 queixas de delitos virtuais, como pornografia infantil, conteúdos de apologia e incitação à violência, crimes contra a vida e violência contra mulheres ou misoginia e outros.

Os crimes mais comuns cometidos na internet são os crimes contra a honra – calúnia, art. 138 do Código Penal; difamação, art. 139 do Código Penal e injúria, art. 140 do Código Penal; ameaça, art. 147 do Código Penal; estelionato, art. 171 do Código Penal; falsa identidade, art. 307 do Código Penal; invasão de dispositivo informático, art. 154-A do Código Penal; falsificação de documento particular, e aqui inclui-se a falsificação de cartão de crédito ou débito, art. 298 do Código Penal.

Quem é vítima desses delitos pode e deve recorrer à justiça para garantir o direito de reparação do seu bem jurídico violado e promover a persecução penal do caso em tela. E é aí que entra a produção antecipada de provas, instituto previsto no Código de Processo Civil, no art. 381, mais especificamente no seu inciso III. O regramento do CPC permite-se a produção antecipada da prova quando o prévio conhecimento dos fatos possa justificar o ajuizamento da demanda, que no caso, é uma ação penal.

Em muitos dos casos envolvendo crimes digitais, existe a dificuldade e a demora na conclusão do inquérito policial. Quando a vítima dá ciência a autoridade policial da ocorrência de um fato criminoso na esfera virtual e começam as investigações, tudo é muito demorado. É necessário uma série de diligências para se chegar no autor do crime, quando esse é desconhecido, como acontece na maior parte dos casos. Essas diligências envolvem dentre outras questões, oficiar as empresas de telefonia, internet e as empresas responsáveis pelas redes sociais, como o Facebook e o Whatsapp, para que forneçam informações inerentes ao caso.

O transtorno ocorre porque essas empresas não respondem de imediato os ofícios enviados pelo delegado de polícia para informar os dados relativos à conexão. E, sabemos que, nem todas as delegacias possuem meios aptos para investigar crimes virtuais e não são todas as cidades que têm delegacias especializadas.

Juntando toda essa questão das diligências do inquérito que não são atendidas pelas empresas com o fato que conforme dispõe o art. 13, da Lei 12.965/14 – Marco Civil da Internet, os registros de conexão, são armazenados pelo prazo de 1 (um) ano, é evidente a importância da produção antecipada de provas para que essas empresas forneçam as informações e procedam com a quebra de sigilo de dados, que são de suas responsabilidades, uma vez que são importante para a investigação e apuração de autoria com relação ao crime virtual, bem como, para posterior ação penal e cível.

Outro ponto que é necessário destacar sobre a produção antecipada de provas nos crimes virtuais, diz respeito a tutela provisória de urgência prevista no art. 300, caput, do CPC, sendo concedida sempre que houver a probabilidade do direito (fumus boni iuris) e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora). Portanto, como fica perfeitamente demonstrado nessas questões de crimes no âmbito virtual, o não fornecimento dos dados solicitados dentro do prazo acarreta uma perda do direito da vítima de munir-se de informações sobre o autor dos fatos, sendo as mesmas necessárias para uma demanda processual criminal e cível. Por isso, é inegável a importância de cumular a produção antecipada de provas com a tutela provisória de urgência.

Trata-se de um risco de perecimento do direito da vítima diante da demora na prestação de informações, portanto, tal circunstância confere grave risco de extinguir-se o resultado útil do processo. Diante de tais conjunturas, é indiscutível a existência de fundado receio de dano irreparável.

Após ser obtida a informação judicialmente, o próximo passo é juntar ao inquérito policial o documento, para que se possa proceder com os trâmites processuais (criminais e cíveis) que são justos à vítima para assegurar o seu direito.

Este artigo foi elaborado com base na minha vivência profissional enquanto advogada da vítima de crimes desta natureza e não tem o objetivo de adentrar-se nas técnicas forenses para a investigação que envolvem os crimes digitais, tampouco aprofundar-se dos conceitos e termos técnicos relativos a esses crimes. A finalidade desse breve estudo é compartilhar com os colegas advogados e com as vítimas de cybercrimes a possibilidade de fazer uso da produção antecipada de provas com tutela de urgência para assessorar e complementar a investigação criminal que envolvem os crimes virtuais.

[1] Phishing, derivada de fishing, traduzindo a grosso modo, é mesmo que “pescaria”. É uma técnica de furto de dados relativamente antiga, mas que tem tomado maiores proporções em razão da acessibilidade que hoje a internet possui. CARLOS, Luciano. PHISHING: A PESCARIA PARA FURTAR SEUS DADOS NA INTERNET. Canal Ciências Criminais. Ano: 2020. Disponível em: < https://canalcienciascriminais.com.br/phishing-a-pescaria-para-furtar-seus-dados-na-internet/>. Acesso em: 29 de maio de 2020.

[2] A PSafe é uma startup brasileira que foi fundada em 2010 por Marco DeMello, Ram Rao e Benjamin Myers, a companhia oferece soluções de segurança tanto para computadores quanto para smartphones.

[3] A SaferNet Brasil é uma associação civil de direito privado, com atuação nacional, sem fins lucrativos ou econômicos, sem vinculação político partidária, religiosa ou racial. Fundada em 20 de dezembro de 2005, com foco na promoção e defesa dos Direitos Humanos na Internet no Brasil.

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