Foi sancionada no dia 01 de abril de 2021 (e não é mentira!) a Lei nº 14.132/21 que tipifica no Código Penal o crime de perseguição, Art. 147-A, prática também conhecida como “stalking”.
O tipo penal surgiu com a justificativa de suprir uma lacuna e de tornar proporcional a pena para uma conduta que, embora muitas vezes tratada como algo de menor importância, pode ter efeitos, especialmente psicológicos, muito prejudiciais na vida de quem a sofre.
A partir de agora, a perseguição obsessiva reiterada a alguém passa a ser crime, com penda de seis meses a dois anos, e multa. A pena é aumentada de metade se o crime é cometido contra criança, adolescente, idosos ou mulheres. O mesmo vale para o crime que envolver armas ou participação de mais de duas pessoas na ação.
Além de acrescentar o art. 147-A ao Código Penal, a lei revoga o art. 65 da Lei das Contravenções Penais.
Vamos entender como ficou o novo artigo do Código Penal?
Primeiro, vamos ao teor do artigo.
Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
§1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:
I – contra criança, adolescente ou idoso;
II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;
III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.
§2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.
§3º Somente se procede mediante representação.
Tipicidade objetiva
Perseguir é o núcleo do tipo, a conduta principal. A perseguição pode ser física ou virtual, uma vez que no tipo penal aparece a expressão “por qualquer meio”. Atente-se para a palavra “reiteradamente”, a perseguição pressupõe uma prática reiterada, ou seja, uma única mensagem, por exemplo, não caracteriza o crime.
Conduta
A perseguição acontece da seguinte maneira:
1ª: ameaça à integridade física ou psicológica da vítima;
2ª: restringindo-lhe a capacidade de locomoção;
3ª: invadir ou perturbar a liberdade ou privacidade;
Crime habitual
O tipo do art. 147-A do CP é crime habitual, ou seja, somente se configura com a prática reiterada de condutas. O tipo contém uma exigência expressa de habitualidade, a conduta de perseguir “reiteradamente” a vítima. E, por se tratar de crime habitual, não cabe tentativa.
Pena
Reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Trata-se, portanto, de infração de menor potencial ofensivo. Como a pena máxima não ultrapassa dois anos e a pena mínima não ultrapassa um ano (seis meses) o autor tem direito, em tese, à três institutos despenalizadores da Lei dos Juizados Especiais, quais são: transação penal, suspensão condicional do processo e a composição civil dos danos.
Bem jurídico protegido
O art. 147-A está inserido no rol dos crimes contra a liberdade individual, assim, o objeto jurídico tutelado é a liberdade individual e o objeto material é a pessoa perseguida.
Sujeito ativo
Pode ser qualquer pessoa por se tratar de crime comum.
Sujeito passivo
É qualquer pessoa que for vítima da perseguição, contudo, a pena é aumentada de metade se a vítima for criança, adolescente, idoso ou mulher por razões da condição de sexo feminino.
Elemento subjetivo
O crime só admite a modalidade dolosa. Não se exige elemento subjetivo especial (finalidade específica). Não há forma culposa.
Consumação e tentativa
A prática reiterada não tem como pormenorizar quantas vezes é considera “prática reiterada”, depende do caso concreto. Em caso de dúvida delibera-se em benefício do réu. Não cabendo a tentativa.
Causa de aumento de pena
A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:
I – contra criança, adolescente ou idoso;
II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;
III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.
Ação penal
Ação penal pública condicionada a representação.
Se algum ato de perseguição for feito com o emprego de violência, o agente responderá pelo delito do art. 147-A em concurso com o crime violento?
SIM!
O §2º do art. 147-A traz o que se chama doutrinariamente de cúmulo material obrigatório. Sendo assim vai aplicar a pena do crime de perseguição mais a pena do crime correspondente a violência, e neste caso vai depender qual tipo de violência, por exemplo, Lesão Corporal grave. Somando, portanto, as penas.
Com a revogação do art. 65 da Lei de Contravenções Penais ocorreu a Abolitio Criminis ou o Princípio da Continuidade Normativa Típica?
ABOLITIO CRIMINIS
O princípio da continuidade normativo-típica significa a manutenção, após a revogação de determinado dispositivo legal, quando uma norma penal é revogada, mas a mesma conduta continua sendo crime no tipo penal revogador, ou seja, a infração penal continua tipificada em outro dispositivo, ainda que topologicamente ou normativamente diverso do originário. Já abolitio criminis trata-se do fenômeno que ocorre quando uma lei posterior deixa de considerar crime determinado fato.
No caso do art. 147-A ocorreu a abolitio criminis porque no art. 65 da LCP não existia no tipo a palavra “reiteradamente”, não havendo, portanto, a necessidade da “prática reiterada”. Bastava uma única vez molestar alguém. A contravenção penal não existe mais. E essa conduta (molestar alguém) praticada uma vez não foi transformada no crime do art. 147-A.
Se o agente praticou o crime antes de 01/04/21, a punição será a do art. 147-A ou do art. 65 da LCP?
Depende! A punição do art. 147-A do CP não se aplica para fatos ocorridos antes de 01/04/21, observando o Princípio da Irretroatividade da Lei (art. 5º, XL, CF/88) onde diz que a lei só pode retroagir em benefício do réu. Nunca, contra. Porém, se o agente iniciou os atos de perseguição antes da Lei nº 14.132/2021 e continua a praticá-los depois da lei, responderá pelo crime do art. 147-A do CP.
Bons estudos!
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Fonte:
JESUS, Damásio E. de. Stalking. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1655, 12 jan. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10846. Acesso em: 1 abr. 2021
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral v. 1 – 25ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.